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Um jardim à noite, 2020
Rampa, porto
Dança Daninha
José Costa, 2020
Um Jardim à Noite de Tiago Madaleno explora o diálogo simbólico que existe na relação entre duas figuras, Kurt Schwitters e Harry Pierce, e o potencial alegórico do elemento que os une, o jardim.
Em criança, na sua cidade natal de Hanôver, o artista alemão Kurt Schwitters foi vítima de um acontecimento trágico quando o jardim que cultivava acabou destruído por um grupo de crianças vizinhas. Em choque, Schwitters começou a dançar maniacamente, numa performance algo desajustada do que estava a acontecer. Essa dança era na realidade a “dança de São Vito”, um distúrbio neurológico que afeta os seus portadores em momentos de grande stress e que deixou Schwitters acamado cerca de dois anos. Durante esse período de recuperação, Schwitters dedicou-se a desenhar e a pintar, rumo que, eventualmente, o levou a uma carreira artística.
Enquanto trabalhava no seu jardim, o arquiteto paisagista inglês Harry Pierce, decidiu eliminar o mais rapidamente possível as ervas daninhas que o atormentavam ateando fogo a uma pequena porção do terreno. Contudo, uma mudança na direção do vento fez com que o fogo se descontrolasse e consumisse todo o jardim que já tinha plantado.
Em 1946, as duas histórias passaram a intercetar-se. Exilado em Inglaterra e em grandes dificuldades financeiras, Schwitters pintava retratos e paisagens como forma de gerar rendimento. Pierce, ao ver um retrato do seu médico feito por Schwitters, resolveu comissariar um retrato de si próprio. Durante as sessões de pintura, desenvolveu-se uma relação de amizade entre eles, de tal forma que Pierce aceita alugar-lhe um antigo armazém de pólvora, existente na quinta onde estava a projetar um jardim, para que Schwitters o pudesse utilizar como atelier nos seus últimos anos da vida.
Por vezes sincronizada, outras fora de tempo, a história de Schwitters e Pierce espelha-se em momentos de coincidência. A estima à Natureza, o fascínio pela procura de uma fusão entre o gesto humano e a organicidade do natural e o testemunhar do descontrolo quando assistem à destruição dos seus jardins, sugerem uma afinidade simbólica que se exponencia através do seu encontro e do reaparecimento do Jardim na vida de Schwitters.
Um Jardim à Noite define como âncora conceptual uma ideia expansiva de jardim que se alicerça numa apropriação e recontextualização de fragmentos narrativos provenientes do universo de Kurt Schwitters e Harry Pierce. Através de um diálogo entre corpo e paisagem, o jardim surge neste contexto como símbolo ambíguo: entre o sonho inalcançável, sublime e paradisíaco e a predisposição para o caos, entre a tentativa de domínio e a incapacidade de deter o descontrolo.
O vídeo Silhueta de um Estranho, voz narrativa que se transforma em imagens de jardim impossível, dialoga no espaço com a peça sonora Sapatos Vermelhos, explorando a tensão entre forma e disforme, a estrutura da coreografia e a fluidez da dança, unindo corpo e paisagem num vínculo inquieto. Transformando e redirecionando a atenção, é na interceção entre luz e sombra que Ervas Daninhas cresce na escuridão. A meio do ciclo contínuo da exposição, e quando tudo em volta parece sugerir um final, surge um momento de incandescência textual que dialoga com o espaço de maneira transitória.
Nestes cruzamentos entre histórias de afinidade e descontrolo, o corpo dança até se fundir com a paisagem e a paisagem torna-se, por fim, performance. //