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Um som que chega tarde a uma imagem, 2025
Galeria Dínamo, porto
Pela brisa do vento
Susana Ventura, Janeiro 2025
Um som que chega tarde a uma imagem começa com uma roadtrip do artista Tiago Madaleno e da sua namorada com o intuito de criarem um pequeno filme. Deste, não existe qualquer imagem, ou melhor, a imagem — a que o título desta exposição alude — resulta da transdução das suas matérias primeiras — som, imagem, movimento, tempo — num conjunto de cartazes, como o artista define a origem da sua instalação na Galeria Dínamo, resultante, afinal, de uma sucessão de acontecimentos, que só poderão ser explicados pelos paradoxos inerentes a esse primeiro desejo.
Os road films, populares na América (e não só), descrevem quase sempre uma fuga em direcção a um destino e futuro incertos, sendo a própria viagem — no sentido literal de movimento físico e de passagem espacial e temporal por lugares e experiências intensas —, simultaneamente personagem e narrativa, a principal razão do filme. Este género de filme tornou-se símbolo de uma procura iniciática e, por vezes, desesperada por uma qualquer identidade espiritual ou cultural, sendo o formato de viagem a expressão máxima de uma liberdade conquistada pelo “estar em movimento constante”, estando implícita uma crítica social e as consecutivas tensões ideológicas entre rebelião e tradição, quando muitos dos desfechos (quase sempre) fatídicos, neste tipo de filme, acabam por revelar que, afinal, não é possível a fuga total das estruturas estabelecidas de poder e conservadorismo.
Estas intenções e ideias não estão predefinidas na instalação do artista, no entanto, existe um movimento cíclico inerente a essa viagem que acaba por definir as obras que compõem a instalação, assim como, ao percorrermos o espaço, que esta acaba por definir em género de travelogue, estamos constantemente a ser remetidos para o road film e, inevitavelmente, para tudo o que este representa. A Galeria Dínamo assume-se como um espaço de exposição que contraria a lógica do cubo branco, com eixos visuais que permitem simultaneidade de planos e espaços intercomunicantes através de amplas janelas, às quais se sobrepõem e reflectem os ritmos interiores quotidianos e as imagens e os ruídos da cidade lá fora. Inevitavelmente, TheSpaceInYourHead (a exposição que reúne três intervenções de artistas distintos na galeria, incluindo “Um som que chega tarde a uma imagem”, de Tiago Madaleno) ocupa, desde logo, um espaço entre-dois duplamente, entre esse interior-exterior-interior do jogo de reflexos da galeria e a exteriorização que qualquer ímpeto criativo e estético esboça numa fuga desse outro espaço que nos consome interiormente.
Na instalação de Tiago Madaleno, o primeiro movimento implícito é o da fuga do excesso de informação em direcção a uma paisagem vasta e silenciosa, que, paradoxalmente, regressa ao espaço da galeria como reverberação de um som, que chega tarde a uma imagem, mas que vai constituindo-se em pequenos sons, convertidos em onomatopeias visuais, e pequenos gestos como aquele familiar da mão que dança ao sabor do vento do lado de fora da janela do carro… O vento parece, igualmente, trazer consigo a imagem-síntese dessoutra imagem-movimento do road film, o seu cartaz, varrendo o espaço e colando-o às janelas amplas e à parede-espelho, repetindo o som que nunca chegaremos a ouvir, embora o cartaz procure, em todas as situações, encontrar-nos (num segundo paradoxo, pois a procura de uma identidade, pode, afinal, encontrar a sua completitude no Outro). A imagem como o outro do som continua a remeter para o domínio primeiro do filme, assim como a tinta magnética, que permite o “decalque” do cartaz no vidro e no espelho e trazer para si uma reminiscência da materialidade da película cinematográfica, ocupando esses outros espaços entre-dois, num jogo que o artista explora consoante o suporte (o vidro ou o espelho). Por vezes, o cartaz funde-se com o fundo e parece desaparecer; por outras, expande-se pela janela fora ou transforma- -se em múltiplos consumindo a superfície infinita dos mil reflexos; por outras ainda, transforma-se em caixa de luz ou, exausto, descansa num tubo vermelho, apontamento de cor ardente (da pulsão da viagem que paira sobre nós ou de um prenúncio de um qualquer fim trágico que a assombra? — também sobre o que representa). Excepto nesta situação singular, o artista limita-se à cor preta como contraponto à superfície transparente ou espelhada, lembrando-nos, na utilização da palavra e do símbolo (tanto a palavra, como os desenhos transformam-se em símbolos no formato de cartaz), os separadores do cinema mudo, naquele momento de suspensão da narrativa cinematográfica em que o som perpetua pela imagem o que não se vê. Também na instalação do artista, o preto da tinta magnética absorve os ruídos e a informação circundante para nos concentrarmos, apenas, nos sons que nos chegam da imagem. Ouço, então, a brisa do vento na minha mão. //